A Hora da Estrela: O sussurro da vida onde ela é mais miserável (SPOILER ALERT)
"Os fatos são sonoros, mas entre os fatos há um sussurro. E é o sussurro o que me impressiona." – Clarice Lispector
A história de Macabéa é repleta de fatos que nos parecem nítidos diante da visão do autor, mas para Maca (a nordestina), não passam de sussurros seus, sussurros escondidos em sua voz. Os sussurros são sons de quem não tem lugar neste mundo. Vivendo à margem da própria existência, sem gritar, sem exigir, sem querer… Macabéa sussurra. E talvez (só talvez) o mais impactante de uma vida miserável seja este sussurro. Não a falta das coisas, mas a ausência de um ruído sequer que bote tudo a prova. Macabéa achava ser feliz, nunca questionava sua existência crua e abafada, e ninguém, além do narrador, parecia ter se aproximado o suficiente para ouvir os seus sussurros, os sussurros que nem mesmo ela ouvia. Sussurros estes, que tornaram-se fala naquela rua escura e chuvosa onde a nordestina morreu.
Foi necessária sua morte, para que seu sussurro se tornasse audível, como um grito a todos que perceberam que ninguém sussurrava mais. Um grito ensurdecedor como somente o silêncio consegue ser. Pois aquela morte na calçada, depois da cartomante e da promessa de um futuro radiante, foi a primeira e última vez em que Macabéa significou algo. Pela primeira vez, algo nela foi notado: seu fim. E talvez, de forma cruel, ali tenha começado sua existência.
A verdade é que Macabéa nunca coube no mundo das palavras grandes, das certezas ou das vontades. Era feita de sussurros, de gestos não concluídos, de pensamentos que não sabiam nomear-se. Existia em estado de espera, uma espera sem anseios. Esperava como quem respira, apenas porque não se pode evitar. Mas nada disso era sua culpa, uma vez que, tinha culpa alguma de viver em tais circunstâncias.
Macabéa talvez não tenha sido “menos” por viver sem anseios, mas corajosa de alma por saber viver sem garantias… Por continuar mesmo sem compreender o sentido pelo qual tanto lutamos por obter. Maca não se revoltou com sua vida miserável, o pouco que lhe deram e as migalhas que lhe eram oferecidas. Ela aceitava com alegria, não por fraqueza ou burrice, ela apenas não conhecia outra realidade, e esta era-a suficiente.
Não saber o que se quer, não ter identidade ou não não considerar-se gente… Ou própria negligência da sociedade e das pessoas. Eram essas as formas de uma violência insensível contra Macabéa. O mundo, o mesmo que se comoveu com sua morte, foi aquele que a matou. Pois nunca lhe oferecerá tempo, espaço, ou linguagem, para que Macabéa quisesse… O simples ato do querer.
Clarice escreveu esse livro como quem tinha consciência da vida, dos quereres e dos desejos, mas também como alguém que conhecia a negligência, alguém que conhecia a invisibilidade e a dor. Ela não escreveu Macabéa para que a compreendêssemos com piedade, mas para que fôssemos capazes de escutar o que nunca foi dito. Escreveu para tornar palavra aquilo que o mundo insiste em calar. Para que ouçamos os sussurros silenciosos de Macabéa, antes que ela morra na calçada. Simplesmente porque há muitas Macabéas por aí. E nenhuma delas merece ser ouvida apenas na hora da estrela.
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