Sylvia Plath e a Redoma de Vidro: Por que mulheres que têm tudo, ainda assim, sentem que não têm nada...?
O que seria ‘ter tudo” na vida? Seria ter oportunidades? Uma bolsa de estudos para frequentar uma universidade renomada? Ganhar presentes caros e roupas de marca? Viver na tal “cidade dos sonhos americanos”? Seria ter a felicidade vazia de um mundo “completo” (entre aspas, sim), com o qual você não se identifica? A pergunta ecoa como um sussurro abafado sob o vidro espesso da chamada vida perfeita.
Esther, tinha tudo.
Muitas de nós temos tudo.
Pelo menos é que dizem para nós.
Mas até que ponto nós, mulheres, somos capazes de suportar sermos sufocadas por esta redoma de vidro na qual somos colocadas?
Sentimos constantemente que esta vida, rotulada completa, e onde supostamente “temos tudo”, não é o suficiente.
Nós sabemos.
Esther sabia.
Sylvia sabia…
Aquilo que deveríamos querer, a vida perfeita sob os olhos da sociedade, não mudou tanto dos anos 50/60 para cá. Ainda hoje, o que se espera de uma mulher jovem, com oportunidades, talento e um futuro promissor, é desproporcional com a própria cobrança da sociedade. Seria fácil ser feliz nessas circunstâncias, não é? Mas não é. Com a busca pela perfeição, a opressão feminina e a constante performatividade de gênero, vivemos em constante agonia.
Mulheres sentem-se constantemente presas em redomas, assim como Esther, assim como Sylvia. Não se trata apenas de depressão, é o cansaço de ser mulher em um mundo que exige demais e entende de menos. Onde até a liberdade vêm com amarras disfarçadas, e até mesmo aqueles em quem mais confiamos… nos aprisionam. Assim, a dor que ignoramos transformasse em uma redoma.
Ler A Redoma de Vidro é olhar no espelho com os olhos de quem cansou de fingir. De quem já tentou usar a máscara, já sorriu pra foto, já se sentiu grata enquanto gritava por dentro. E é por isso que dói. Porque a gente entende. Porque a gente vive isso — todos os dias, mesmo quando está tudo “bem”.
Sylvia escreveu esse livro autobiográfico, como quem rasgou a própria pele para dar vida à Esther, sendo impossível de se sair ilesa. A redoma ainda está aqui, prendendo cada uma de nós, mais polida, mais bonita, mais disfarçada, mas segue sendo vidro… invisível e afiado. Fazendo com que quebrá-la torna-se muito mais perigoso.
Ainda assim, às vezes essa redoma espessa feita de vidro, não precisa ser imposta, e sim criada por nós mesmas… Porque aprendemos desde cedo que o ideal é ser forte, é ser inteligente, ser gentil, ser bonita (mas não demais). O ideal é ser ambiciosa, mas sem parecer arrogante. Ser triste? Só se for em silêncio.
Esther parou de dormir. Sylvia parou de escrever. Nós, hoje, estamos aos poucos parando de sonhar, de dizer “não”, de pedir ajuda. Nos encaixamos nessa engrenagem suja da sociedade, comprimindo quem somos para caber nos moldes invisíveis que a redoma exige. Sorrimos enquanto nosso peito se aperta até esmagar-se por completo. Seguimos produtivas, funcionais, admiradas. Mas a que custo?
Não é fraqueza. É excesso.
Excesso de exigência. De expectativa. De culpa.
De cansaço.
E quando tentamos dizer que algo está errado, estamos sendo ingratas, pois “temos tudo”… Temos tudo… menos paz. Temos tudo… menos nós mesmas
Talvez o mais cruel da redoma seja justamente isso: ela é transparente. Ninguém vê. Só você. E ainda assim, esperam que você agradeça por estar ali dentro.
Sylvia não sobreviveu a ela. Muitas de nós também não sobrevivemos por inteiro. Mas escrever sobre isso (ler, falar, romper o silêncio) talvez seja o primeiro trinco nesse vidro. Talvez seja assim que começamos a respirar de novo.
Escrever, como Sylvia escreveu, é uma forma de gritar quando a garganta já não aguenta mais expressar-se, de forma alguma. É rasurar o silêncio imposto, colocar rachaduras nessa redoma que ninguém mais parece ver. E talvez seja por isso que a escrita assuste tanto, porque ela expõe o que não deveria ser dito. Porque ela incomoda. Porque ela mostra que por trás da perfeição existe dor. E essa dor tem nome, tem rosto, tem voz.
Ler A Redoma de Vidro não é apenas encontrar uma personagem em sofrimento, é se encontrar nela. É entender que há força em reconhecer o cansaço, há coragem em recusar o roteiro escrito para cada uma de nós. É entender que há vida, sim, do lado de fora do vidro. Mesmo que o mundo tente nos convencer do contrário.
É por isso que seguimos escrevendo.
Para lembrar umas às outras que não estamos loucas.
Estamos vivas. E estamos tentando.
E talvez, só talvez, uma rachadura na redoma já seja o começo da liberdade.
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